A formação negligenciada em ciência e tecnologia no Brasil

Espaço destinado à atualização periódica de tecnologias nacionais e internacionais que podem impactar o segmento educacional e, portanto, subsidiar gestores das instituições de ensino para que sejam capazes de agir proativamente olhando para essas tendências.

12/08/2025 | 2120

A formação negligenciada em ciência e tecnologia no Brasil

O ensino superior brasileiro enfrenta um desafio profundo e estrutural: sua incapacidade de formar, de maneira consistente, profissionais qualificados nas áreas de ciência, tecnologia e matemática. Embora o discurso político e institucional enfatize a importância da inovação, a prática pedagógica nas universidades continua distanciada das exigências técnicas do século XXI. Dois estudos publicados em 2025 revelam, com clareza, a extensão desse descompasso.

O primeiro deles, intitulado “Assessing Simulation Knowledge and Proficiency Among Undergraduate Computing Students in Brazil”, publicado em fevereiro de 2025, investigou o grau de familiaridade dos estudantes de computação com ferramentas de simulação — um recurso amplamente utilizado para modelagem, teste e otimização de sistemas complexos. O resultado é alarmante: dos 108 estudantes entrevistados, apenas 19 relataram ter tido contato relevante com simulação ao longo da graduação. Essa ausência revela não uma falha pontual, mas uma lacuna institucionalizada na formação prática em áreas estratégicas.

Já o segundo estudo, “Programming in Brazilian Higher Education and High School: A Systematic Literature Review”, publicado em janeiro de 2025, mapeou o ensino de programação nas escolas e universidades brasileiras. A revisão aponta para uma grave ausência de padronização: não existe uma trajetória curricular coesa que integre o pensamento computacional desde os níveis básicos até o superior. As práticas pedagógicas são dispersas, metodologicamente frágeis e dependem do empenho isolado de alguns educadores. Em muitos casos, o domínio da programação é deixado à iniciativa individual do estudante, o que agrava as desigualdades de aprendizagem.

Esses dois estudos evidenciam um problema de fundo: o ensino superior continua preso a uma lógica conteudista e teórica, que desvaloriza o saber aplicado e a experimentação tecnológica. Em cursos voltados à computação e engenharia, frequentemente observa-se uma ênfase desproporcional em matemática abstrata, dissociada de contextos práticos. Ferramentas como simulação, prototipagem e desenvolvimento orientado a problemas — comuns em instituições tecnológicas internacionais — permanecem raras no Brasil.

Essa desconexão traz consequências graves. Em primeiro lugar, compromete a empregabilidade dos egressos, que saem da universidade sem domínio de instrumentos exigidos pelo mercado. Em segundo, fragiliza a capacidade nacional de inovação tecnológica, pois sem formação técnica sólida não há pesquisa aplicada de qualidade. Por fim, perpetua a evasão em cursos técnicos, uma vez que os estudantes não percebem sentido ou utilidade prática na formação recebida.

É urgente, portanto, repensar a arquitetura da formação superior brasileira. Integrar o ensino de simulação e programação de forma estruturada, contínua e interdisciplinar não é mais uma opção — é uma necessidade. A universidade precisa se tornar um espaço de experimentação e resolução de problemas reais, e não apenas de memorização de teorias. Para isso, são indispensáveis políticas institucionais de apoio à atualização docente, flexibilização curricular e investimento em infraestrutura laboratorial.

Os artigos de 2025 não apenas denunciam a falência do modelo atual — eles oferecem uma base concreta para ação. A integração do pensamento computacional à educação básica e a inserção sistemática de práticas como simulação no ensino superior são passos cruciais para alinhar o Brasil às exigências da sociedade digital. Ignorar esse diagnóstico seria não apenas uma negligência educacional, mas um erro estratégico de proporções nacionais.

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Carmen Tavares

Gestora educacional e de inovação com 28 anos de experiência em instituições de diversos portes e regiões, com considerável bagagem na construção de políticas para cooperação intersetorial, planejamento e gestão no ensino privado tanto na modalidade presencial quanto EAD. Atuou também como executiva em Educação Corporativa e gestora em instituições do Terceiro Setor. É mestre em Gestão da Inovação pela FEI/SP, com área de pesquisa em Capacidades Organizacionais, Sustentabilidade e Marketing. Pós-graduada em Administração de Recursos Humanos e graduada em Pedagogia pela UEMG.

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